OBJETIVOS DO BLOGUE

Olá, bem-vindo ao blog "Chaves para a Sabedoria". A página objetiva compartilhar mensagens que venham a auxiliar o ser humano na sua caminhada espiritual. Os escritos contém informações que visam fornecer elementos para expandir o conhecimento individual, mostrando a visão de mestres e sábios, cada um com a sua verdade e experiência. Salientando que a busca pela verdade é feita mediante experiências próprias, servindo as publicações para reflexões e como norte e inspiração na busca da Bem-aventurança. O blog será atualizado com postagens de textos extraídos de obras sobre o tema proposto. Não defendemos nenhuma religião em especial, mas, sim, a religiosidade e a evolução do homem pela espiritualidade. A página é de todos, naveguem a vontade. Paz, luz, amor e sabedoria.

Osmar Lima de Amorim


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terça-feira, 2 de abril de 2024

SE O SER HUMANO NÃO DUVIDASSE, NÃO PROGREDIRIA

"A predominância da matéria perante nossos olhos, na forma de objetos e seres, impede que percebamos completamente a verdade. Mas é quando duvidamos da primazia da matéria que a existência de Deus se estabelece. Se a matéria, que é um conglomerado de átomos, é tudo o que existe, então como essas partículas invisíveis formaram um parlamento que criou e governa um universo organizado? É impossível que átomos inanimados viessem a se reunir para produzir seres inteligentes. Então a aceitação de Deus, uma Consciência Inteligente como criadora do mundo, foi estabelecida a partir do materialismo aplicando-se o elemento construtivo e progressivo da dúvida. Este elemento construtivo é a corrente científica do pensamento usada no questionamento para descobrir a verdade. Sem isso, se meramente aceitássemos as coisas como parecem ser, os seres humanos seriam como animais. Algumas civilizações antigas acreditavam que o Sol, a Lua e as estrelas eram divindades que governavam a vida. Pelo processo da dúvida o ser humano ultrapassou esse conceito. Por meio do questionamento construtivo, esse tipo de crença foi considerado falho. Se o ser humano não pudesse duvidar, não poderia progredir; o mundo estaria atolado na ignorância. Se não questionassemos, não conseguiríamos diferenciar da verdade a teoria ou os argumentos falaciosos. É pois correto aplicar as leis da razão. 

A dúvida decide uma hipótese. Os cientistas pegam um teorema e o investigam juntamente com a Sra. Dúvida, a examinadora sempre presente. Nada é tido como certo. A proposta é levada a uma conclusão, para ver se funciona ou não. Se não funcionar, é posta de lado ou reestruturada. Se os cientistas ficassem satisfeitos com o status quo do conhecimento, não haveria adiantamento na civilização. Há uma grande lição aqui.

No que diz respeito à religião, os cientistas deveriam empregar, no elemento construtivo da dúvida, a mesma abertura como que realizam as pesquisas científicas. Por um tempo longo demais a ciência se fechou no elemento destrutivo da dúvida, desprezando a religião como dogma supersticioso. Se o objetivo dos operários da construção civil fosse apenas demolir todos os prédios defeituosos, e não reconstruí-los nem substituí-los com estrutura aperfeiçoada, seria um desastre. O mesmo ocorre com os que querem dispensar a moralidade e a religião, não deixando nenhuma estrutura para abrigar os princípios divinos que podem se provar essenciais ao bem-estar e à felicidade da existência humana. É claro que até o elemento destrutivo da dúvida pode ser necessário para nos livrar de erros há muito sustentados; mas o processo será prejudicial para a humanidade se também obliterar a verdade."... (continua)

Paramahansa Yogananda, Jornada para a Autorrealização, Self-Realization Fellowship, p. 303/304.
Imagem: Perintest.

terça-feira, 5 de março de 2024

A VIDA É MAIS DO QUE APENAS EXISTIR

"Deus não criou a Terra como um lugar só para comer, dormir e morrer, mas para descobrir o propósito Dele. Algumas pessoas sábias captaram o plano divino, mas muitas outras estão cegas e não enxergam. A Terra é uma câmara de torturas para os que vivem na ignorância do plano divino. Mas quando você usa as experiências da vida como seu instrutor e com elas aprende a verdadeira natureza do mundo e o seu papel nele, as experiências passam a ser guias valiosos para uma eternidade de felicidade e plenitude. 

O Senhor fez a ilusão muito forte! Vivemos num manicômio. Você acha que o dinheiro traz felicidade, mas quando o obtém descobre que ainda não é feliz. Você pode ter dinheiro e perder a saúde ou ter boa saúde e perder o dinheiro; ou pode ter saúde e dinheiro mas inúmeros problemas com as pessoas. Você faz o bem aos outros e eles retribuem com ódio. Sem Deus, nada o satisfará neste mundo. E é interessante que Deus tente nos afastar Dele com atrações materiais - Ele quer saber se queremos o Doador, e não só Suas dádivas. 

Se Deus nos quisesse só na consciência mundana, estaríamos sempre plenamente satisfeitos com os caminhos e objetos do mundo. Você já observou um rebanho de ovelhas? Uma ovelha pula à cerca e todas as outras vão atrás. A maioria das pessoas é assim. Alguém começa uma moda ou estabelece um padrão de ação e todos os outros vão atrás. Tem sido assim século após século. Cada país tem seus costumes e não se pode dizer que sejam perfeitos. Mas quem tem autoridade para ridicularizar determinado tipo de vida ou costume? Um modo de avaliar é lembrar que no início todos os costumes tinham uma razão de ser. Se vemos que a razão ainda se aplica, significa que o costume serve a um propósito útil; mas é tolice seguir alguma coisa cegamente, apenas por seguir. Temos que descobrir onde está a verdade e em que consiste a verdadeira felicidade, e seguir isso." 

Paramahansa Yogananda, Jornada para a Autorrealização, Self-Realization Fellowship, p. 272/273.
Imagem: Pinterest.
  

terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

EGOÍSMO

"EGOÍSMO, primogênito da Ignorância e fruto do ensinamento que afirma que para cada recém-nascido é 'criada' uma alma nova, separada e distinta da Alma do Universo - este Egoísmo é o muro intransponível entre o Eu pessoal e a Verdade. É a mãe prolífica de todos os vícios humanos, a Mentira que nasce da necessidade de simular, e a Hipocrisia do desejo de mascarar a Mentira. É o fungo que cresce e se fortalece com o tempo no coração de cada ser humano, do qual devorou todos os melhores sentimentos. O egoísmo mata todo impulso nobre em nossa natureza, e é a deidade única que não teme a deslealdade nem a deserção de seus devotos. Daí, vemos ele reinar supremo no mundo e na assim chamada sociedade elegante. Como resultado, vivemos. nos movemos e levamos nossa existência nessa deusa das sombras, sob seu trinitário aspecto da Hipocrisia, Fraude e Falsidade, chamada RESPEITABILIDADE."

É isto Verdade e Fato ou calúnia? Volte-se para onde quer que seja e verá, do alto até a parte mais baixa da escala social, engano e hipocrisia em funcionamento para o bem do querido Eu, em todas as nações, bem como em todo indivíduo. Mas as nações decidiram, por tácito acordo, que motivos egoístas na política devem ser chamados de 'nobres aspirações nacionais, patriotismo', etc.; e o cidadão vê isso em seu círculo familiar como 'virtude doméstica'. Não obstante, o Egoísmo, seja quando ele desperta desejo por engrandecimento de território ou competição no comércio às expensas do semelhante, jamais pode ser considerado uma virtude. (...)"

Coletânea de Textos de Helena Petrovna Blavatsky, Volume I, Ed. Teosófica, Brasília, 2022, p. 25/26.
Imagem: Pinterest.
   

terça-feira, 18 de outubro de 2022

DISCIPULADO

"O discipulado é uma intensificação dos testes do
período probatório. Cada qualidade do discípulo, seja favorável ou adversa, é ativada pelo relacionamento mais íntimo com o Mestre. Se por um lado isso aumenta o poder do discípulo para o bem, por outro também aumenta suas dificuldades pessoais. Um depois do outro, seus erros e fraquezas tornam-se manifestos e são aparentemente ampliados. Esse processo inevitavelmente aumenta as dificuldades da vida pessoal do discípulo e, algumas vezes, levam-no quase ao desespero. Falhas e erros, fraquezas e mesmo vícios dos quais ele se acreditava incapaz mostram-se nele, causando-lhe considerável autodepreciação e dor. Porém, ele não deve desesperar, pois sua vida interior torna-se cada vez mais rica e bela. Seu poder Egóico¹ aumenta regularmente sob a influência de seu Mestre, e com sua ajuda ele é capacitado a superar tudo. Suas fraquezas, tanto as ativas como as latentes, devem se tornar absolutamente claras para que ele as conheça e para que possa eliminá-las de sua natureza.

A ignorância de fraquezas e limitações é uma das grandes barreiras para o desenvolvimento oculto e espiritual. O discípulo deve se conhecer inteiramente, ser modesto e humilde a respeito de suas capacidades e ter os olhos abertos no que tange suas limitações. O discípulo deve ser sábio a seu respeito. Deve depender de si mesmo, não procurando ajuda externa, na verdade, deve tornar-se seu próprio guru. 

O Mestre deve ser considerado como presidindo com interesse cuidadoso e afetuoso o processo alquímico de transmutação de tudo o que for grosseiro no discípulo, no ouro genuíno da pureza e espiritualidade. O Mestre guia o discípulo tanto quanto possível por meio de sua intuição, que dessa forma é desenvolvida, mas a própria vida é seu verdadeiro professor. O discípulo deve aprender a interpretar suas experiências de vida, para aprender com elas e assim tornar-se sábio. Se ele conseguir entender isso, cada experiência, pequena ou grande, pode ajudar no desenvolvimento da sabedoria. Tarefas importantes, contatos com pessoas influentes, podem se tornar extremamente iluminadoras. Tarefas e encontros menores do dia a dia, relacionamentos humanos comuns, podem ser igualmente instrutivos. Portanto, o discípulo deveria estudar a vida, observar atentamente a vida, observar suas próprias reações e respostas a cada incidente, pequeno ou grande, pois dessa forma ele pode aprender e crescer.

Em especial, o discípulo deve prestar atenção ás pequenas coisas, sua aparência pessoal, conduta, seu comportamento com os outros e, quando sozinho, a abertura de uma porta, entrar numa casa ou num quarto, suas maneiras, a forma de falar, contato com animais, empregados, com os atendentes nas lojas, crianças, amigos, tudo isso deve trazer a marca do discipulado; isto é, da impessoalidade, autocontrole, requinte, pureza, dignidade e espiritualidade, pois essas coisas devem ser as qualidades do caráter de um discípulo."

¹ Poder da natureza divina tríplice do homem.

(Luz do Santuário, O Diário Oculto de Geoffrey Hodson. Compilado por Sandra Hodson e Traduzido por Raul Branco - p. 49/50)
Imagem: Pinterest.


quinta-feira, 23 de junho de 2022

AFORISMOS SAGRADOS (PARTE FINAL)

"4. Evitar todo o mal, procurar o bem, conservar a mente 
pura: eis a essência do ensinamento de Buda.

A tolerância é a mais difícil das disciplinas, mas a vitória final é para aquele que tudo tolera.

Deve-se remover o rancor quando se está sentindo rancoroso; deve-se afastar a tristeza enquanto se está no meio da tristeza. Deve-se remover a cobiça enquanto se está nela infiltrado. Para se viver uma vida pura e altruística, não se deve considerar nada como seu, no meio da abundância.

Ser de boa saúde é um grande privilégio. Estar contente com o que se tem vale mais do que a posse de uma grande riqueza. Ser considerado como de confiança é a maior demonstração de afeto. Alcançar a Iluminação é a maior felicidade.

Estaremos libertos do medo quando alimentarmos o sentimento de desprezo pelo mal, quando nos sentirmos tranquilos, quando sentirmos prazer em ouvir bons ensinamentos e quando, tendo estes sentimentos, nós os apreciarmos.

Não se apeguem às coisas de que gostam nem tenham aversão às coisas de que desgostam, pois a tristeza, o medo e a servidão surgem do gostar ou desgostar.

5. A ferrugem corrói o ferro e o destrói, assim como o mal corrói a mente de um homem, destruindo-o.

Uma escritura que não é lida com sinceridade, logo estará coberta de poeira; uma casa que não é reformada, quando necessita de reparos, torna-se imunda e assim, um homem indolente logo se torna corrupto.

Os atos impuros corrompem uma mulher pois a mesquinhez macula a caridade. Os maus atos poluem não só esta vida, mas também as vidas seguintes.

Mas a mácula que deve ser temida é a mácula da ignorância. Um homem não pode esperar purificar o corpo ou a mente, sem que antes seja removida a ignorância.

É muito fácil mergulhar na imprudência, ser atrevido e impertinente como um corvo, magoar os outros sem sentir nenhum remorso pela ação cometida.

Contudo, é muito difícil sentir-se humilde, saber respeitar e honrar, livrar-se de todos os apegos, manter o pensamento puro e tornar-se sábio.

É fácil apontar os erros alheio, mas é difícil admitir os próprios erros. Um homem divulga os erros dos outros sem pensar, entretanto, oculta os seus próprios erros, como um jogador esconde falsos dados.

O céu não guarda vestígio do pássaro, da fumaça ou da tempestade, tal como um mau ensinamento não conduz à Iluminação. Nada neste mundo é estável, mas a mente iluminada é imperturbável.

6. Assim como um cavaleiro guarda o portão de seu castelo, devemos proteger a mente dos perigos externos e internos e não se deve negligenciá-la nem por um momento sequer.

Cada um é o senhor de si mesmo, deve depender de si próprio, devendo, portanto, controlar-se a si próprio.

O primeiro passo para se livrar dos vínculos e grilhões dos desejos mundanos é controlar a própria mente, é cessar as conversas vazias e meditar.

O sol faz brilhante o dia, a lua embeleza a noite, a disciplina aumenta a dignidade de um soldado e a tranquila meditação distingue aquele que busca a Iluminação.

Aquele que é incapaz de vigiar seus cinco sentidos – olhos, ouvidos, nariz, língua e o corpo – e fica tentado por seu ambiente, não é aquele que se prepara para a Iluminação. Aquele que vigia firmemente as portas de seus cinco sentidos e conserva a mente sob controle, este sim, é aquele que pode alcançar êxito na busca da Iluminação.

7. Aquele que se influência pelo gostar e desgostar não pode compreender corretamente o seu ambiente e tende a ser por ele vencido. Aquele que está livre de todo o apego compreende corretamente o seu ambiente e, para ele, tudo se torna novidade e significativo.

A felicidade segue a tristeza, a tristeza segue a felicidade, mas quando alguém não mais discrimina a felicidade da tristeza, a boa ação da má ação, então poderá compreender o que é a liberdade.

O aborrecer-se com antecipação ou alimentar tristezas pelo passado apenas consomem a pessoa, são como o junco que fenece ao ser cortado.

O segredo da saúde da mente e do corpo está em não lamentar o passado, em não se afligir com o futuro e em não antecipar preocupações, mas está no viver sábia e seriamente o presente momento.

Não viva no passado, não sonhe com o futuro, concentre a mente no momento presente.

Vale a pena cumprir bem e sem erros o dever diário. Não procure evitá-lo ou adia-lo para amanhã. Fazendo logo o que hoje deve ser feito, poderá viver um bom dia.

A sabedoria é o melhor guia e a fé, a melhor companheira. Deve-se, pois, fugir das trevas da ignorância e do sofrimento, deve-se procurar a luz da Iluminação.

Se um homem tiver o corpo e a mente sob controle, ele dará evidências disso com suas boas ações. Este é um sagrado dever. A fé será a sua riqueza, a sinceridade dará um doce sabor à sua vida e acumular virtudes será a sua sagrada tarefa.

Na jornada da vida, a fé é o alimento, as ações virtuosas são o abrigo, a sabedoria é a luz do dia e a correta atenção é a proteção da noite. Se um homem tiver uma vida pura, nada poderá destruí-lo e, se tiver dominado a cobiça, nada poderá limitar sua liberdade.

Deve-se esquecer de si próprio pela família; deve-se esquecer da família por sua aldeia; deve-se esquecer da própria aldeia pela nação; e deve-se esquecer de tudo em prol da Iluminação.

Tudo é mutável, tudo aparece e desaparece. Só poderá haver a bem-aventurada paz quando se puder escapar da agonia da vida e da morte."

(A Doutrina de Buda -  Bukkyo Dendo Kyokai (Fundação para propagação do Budismo), 3ª edição revista, 1982 - p. 186/191)
Imagem: Pinterest. 

terça-feira, 21 de junho de 2022

AFORISMOS SAGRADOS (1ª PARTE)

"1. “Ele me insultou, zombou de mim, ele me bateu.” Assim alguém poderá pensar, e, enquanto nutrir pensamentos dessa espécie, sua ira continuará. 

O ódio nunca desaparece, enquanto pensamentos de mágoa forem alimentados na mente. Ele desaparecerá tão logo esses pensamentos de mágoa forem esquecidos. 

Se o telhado for mal construído ou estiver em mau estado, a chuva entrará na casa; assim, a cobiça facilmente entra na mente, se ela é mal treinada ou fora de controle. 

A indolência nos conduz pelo breve caminho para a morte e a diligência nos leva pela longa estrada da vida; os tolos são indolentes e os sábios são diligentes. 

Um fabricante de flechas tenta fazê-las retas, da mesma forma um sábio tenta manter correta a sua mente.

Uma mente perturbada está sempre ativa, saltitando daqui para lá, sendo difícil de controlar; mas a mente disciplinada é tranquila; portanto, é bom ter sempre a mente sob controle. 

É a própria mente de um homem que o atrai aos maus caminhos e não os seus inimigos.  

Aquele que protege sua mente da cobiça, ira e da insensatez, desfruta da verdadeira e duradoura paz.

2. Proferir palavras agradáveis, sem a prática das boas ações, é como uma linda flor sem fragrância. 

A fragrância de uma flor não flutua contra o vento; mas a honra de um bom homem transparece mesmo na adversidade do mundo. 

Uma noite parece longa para um insone e uma jornada parece longa a um exausto viajante e da mesma forma, o tempo de ilusão e sofrimento parece longo a um homem que não conhece o correto ensinamento. 

Numa viagem, um homem deve andar com um companheiro que tenha a mente igual ou superior à sua; é melhor viajar sozinho do que em companhia de um tolo. 

Um amigo mentiroso e mau é mais temível que um animal selvagem, pois o último pode ferir-lhe o corpo, mas o mau amigo lhe ferirá a mente. 

Desde que um homem não controle sua própria mente, como pode ter satisfação em pensar coisas como 'Este é meu filho' ou 'Este é o meu tesouro', se elas não lhe pertencem? Um tolo sofre com tais pensamentos. 

Ser tolo e reconhecer que o é vale mais que ser tolo e imaginar que é um sábio.

Uma colher não pode provar o alimento que carrega. Assim, um tolo não pode entender a sabedoria de um sábio, mesmo que a ele se associe. 

O leite fresco demora em coalhar e desta mesma forma, os maus atos nem sempre trazem resultados imediatos. Estes atos são como brasas ocultas nas cinzas e que, latentes, continuam a arder até causar grandes labaredas. 

Um homem será tolo se alimentar desejos pelos privilégios, promoção, lucros ou pela honra, pois tais desejos nunca trazem felicidade, pelo contrário, apenas trazem sofrimentos. 

Um bom amigo que nos aponta os erros e as imperfeições e reprova o mal, deve ser respeitado como se nos tivesse revelado o segredo de um oculto tesouro. 

3. Um homem que se regozija ao receber boa instrução poderá dormir tranquilamente, pois terá a mente purificada com estes bons ensinamentos. 

Um carpinteiro procura fazer reta a viga; um fabricante de flechas procura faze-las bem balanceadas; um construtor de canais de irrigação procura faze-los de maneira que a água corra suavemente; assim, um sábio procura controlar a mente, de modo que funcione suave e verdadeiramente. 

Um rochedo não é abalado pelo vento do mesmo modo que a mente de um sábio não é perturbada pela honra ou pelo abuso. 

Dominar-se a si próprio é uma vitória maior do que vencer a milhares em uma batalha. 

Viver apenas um dia e ouvir um bom ensinamento são melhores do que viver um século, sem conhecer tal ensinamento. 

Aqueles que se respeitam e se amam a si mesmos devem estar sempre alerta, a fim de que não sejam vencidos pelos maus desejos. Pelo menos uma vez na vida, devem despertar a fé, quer durante a juventude, quer na maturidade, quer durante a velhice. 

O mundo está sempre ardendo, ardendo com os fogos da cobiça, da ira e da ignorância. Deve-se fugir de tais perigos o mais depressa possível. 

O mundo é como a espuma de uma fermentação, é como uma teia de aranha, é como a contaminação num jarro imundo e por isso deve-se proteger constantemente a pureza da mente." ... continua

(A Doutrina de Buda -  Bukkyo Dendo Kyokai (Fundação para propagação do Budismo), 3ª edição revista, 1982 - p. 183/186)
Imagem: Pinterest.


quinta-feira, 14 de abril de 2022

O VALOR DO PERDÃO - (2ª PARTE)

"(...) Perdoar é simplesmente uma escolha seletiva de nossas lembranças. Em vez de insistirmos em nos lembrar das coisas negativas do passado, escolhemos nos lembrar dos momentos alegres com a pessoa que queremos perdoar e então especemos o resto. O perdão radical é o total abandono do passado, em todos os relacionamentos pessoais e dramas coletivos. 

Na perspectiva do amor, perdoar é a disposição de abrir mão das mágoas e sentimentos de culpa do passado. É a decisão de não sofrer mais e curar o coração e o espírito. É a escolha de não dar mais valor à raiva e ao ódio. E é também a renúncia ao desejo de magoar os outros e a nós mesmos por algo que pertence ao passado.

O perdão não é uma complacência com o erro. Ao perdoar o outro, você não está de modo algum concordando com o comportamento daquele que o faz sofrer, ou aceitando suas agressões ou ofensas. Ao perdoar, você deve aprender a separar consequência, de culpa ou ressentimento. Não podemos evitar a consequência objetiva dos atos cometidos no passado. Mas não devemos permitir que a culpa ou o ressentimento nos prendam em suas garras. 

Com relação ao perdão, QUERER é a palavra chave. Decida que não quer mais sofrer. Perdoe-se e perdoe o outro. Ao invés de querer castigar o outro, assuma a busca da paz interior como sua meta. O homem do mundo age em conformidade com sua tradição (que julga ser a sabedoria), em contraste com a sabedoria superior. A sabedoria superior tolera; a tradição julga; a sabedoria alivia; a tradição culpa; a sabedoria perdoa; a tradição condena.

Jung nos ensinou que a imaginação criativa, que os budistas chamam de imaginação correta, é um poderoso instrumento de mudança interior. Imagine sua vida sem medo de expressar seus sonhos. Você sabe o que quer, o que não quer e quando quer. Está livre para alterar sua vida da forma que sempre desejou. Continue o exercício imaginando que você tem permissão para ser feliz e aproveitar a sua vida. Para concluir, imagine que ama a si mesmo do jeito que você é.

O próximo passo demanda disciplina. Para moldarmos uma realidade feliz, temos que nos empenhar a cada momento, em não nos permitir ser limitados e encarcerados no medo do passado, nas ansiedades sobre o futuro e pelas 'verdades' questionáveis que assimilamos de nossos pais e da nossa cultura. 

Perdoar equivale a descartar o lixo psicológico da mesma forma que fazemos com o lixo orgânico depois das refeições. Todo lixo acumulado deixa um cheiro ruim no ambiente. O lixo psicológico é uma clara indicação de que há algo podre em nossos sentimentos que, por ignorância, insistimos em guardar no nosso coração." ...continua.  

(Raul Branco - A Essência da Vida Espiritual - Ed. Teosófica, Brasília, 2018 - p. 85/87)
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terça-feira, 12 de abril de 2022

O VALOR DO PERDÃO - (1ª PARTE)

"A primeira dificuldade para praticarmos o perdão é o fato de o ego estar sempre focado no passado. A culpa é o resultado de mantermos em nossa memória os 'pecados' do passado. Porém, só podemos amar no presente, sendo o perdão uma expressão de amor. O perdão neutraliza os dois venenos que nos prendem ao passado: culpa e mágoa. 

Se nossas lembranças de sofrimento nos prendem ao passado, como podemos nos livrar do tempo? Para isso temos que viver no Eterno Agora, que na verdade é o estado de consciência do Reino de Deus. O perdão não é necessário no Céu, pois 'ali' ninguém é culpado ou tem pecado. No 'Céu' tudo está bem, nada precisa ser mudado ou consertado. Para entrarmos na consciência do Reino do Céu, precisamos aceitar a vida como ela é, ou seja, perdoar todos os nossos julgamentos e pensamentos de crítica

O perdão é um atitude para com a vida, mesmo quando somos agredidos. Jesus nos ensinou abandonar a antiga tradição judaica de retaliação na famosa passagem: 'Ouviste que foi dito: Olho por olho e dente por dente. Eu, porém, vos digo: não resistais ao mal; antes, àquele que te fere na face direita oferecer-lhe também a outra.' As pessoas geralmente acham o ensinamento de dar a outra face incompreensível. A razão para isso é que entendem essa passagem bíblica literalmente, quando ela é alegórica. Dar a outra face quando atacado é apresentar a atitude (ou face) espiritual de não revidar, não atacar. 

"Considerada sob o ponto de vista da visão comum, a retaliação de qualquer espécie é não só permissível, mas desejável. O contra-ataque é o melhor meio de defesa. As leis da vida espiritual indicam o contrário. Não só são aconselhadas a ausência de defesa e de retaliação, mas atendendo o princípio, parece como se fosse recomendada a repetição do ataque, convidada pela não ação. A disciplina da não-reação à pressão externa e a preservação, sob todas as circunstâncias, o equilíbrio interior é essencial, porque, então, é estabelecida a perfeita harmonia, e ela governa o pensamento e a conduta. O aspirante, portanto, permanece calmo, impassível e sem represália a cada assalto à cidadela de sua consciência interior."²⁰

A atitude defensiva de nossas posses e do que acreditamos serem nossos direitos pessoais foram desenvolvidas ao longo de centenas de vidas. Essa atitude é necessária para a vida em sociedade, para preserva nossa vida pessoal, nossas posses, nossa família. Mas, quando entramos no Caminho Espiritual, os valores do passado da personalidade precisam ser substituídos pelos valores do bem comum, geralmente expressos pelo ideal da harmonia. O erro tem de ser desfeito e corrigido, em vez de castigado. A raiz do erro é o medo, e todo medo é oriundo do passado. Só o amor dissipa o medo, mas o amor está no presente. 

Por incrível que pareça, perdoar a si mesmo pode ser, algumas vezes, mais difícil que perdoar o outro. Não existe ninguém tão duro conosco como nós mesmos. Porém, quando perdoamos nossos erros, após a devida reflexão e determinação de mudar, entendemos que os outros também erram por ignorância e fraqueza. o perdão dos outros passa a ser mais fácil, especialmente quando nos damos conta de que o processo do perdão está inteiramente sob nosso controle." ... contínua.

²⁰ HODSON, Geoffrey. A Vida de Cristo do Nascimento à Ascensão. Brasília, Ed. Teosófica, 1999, p. 141.

(Raul Branco - A Essência da Vida Espiritual - Ed. Teosófica, Brasília, 2018 - p. 83/85)
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terça-feira, 22 de março de 2022

O SER NADA QUER

"Muitas das análises divulgadas a respeito do estado em que se encontra o mundo frequentemente apontam para certos fatores predominantes, como a flutuação da economia dos países ricos, a instabilidade política em muitos países pobres, o crescimento do fundamentalismo religioso, os riscos ambientais de todo tipo e os conflitos armados que desalojaram centenas de milhares de pessoas de seus lares e de seus países. 

Isso certamente seria interpretado como invulgar, para dizer o mínimo, se quiséssemos sugerir aos mesmos analistas que a principal causa subjacente aos problemas enfrentados pelo mundo é a falta de autoconhecimento, tanto no indivíduo quanto no nível social, uma vez que o autoconhecimento não é uma categoria mensurável capaz de ser analisada. Mas as mensagens dos grandes instrutores espirituais do mundo em todas as idades parecem indicar que a falta de autoconhecimento é verdadeiramente a causa de muitas dores, tanto para os seres humanos individuais quanto para a humanidade como um todo.

É a falta de autoconhecimento que cria na mente falsas necessidades e expectativas de todos os tipos - o desejo de reconhecimento, de afeto, de subjugar e dominar os outros, de exercer controle sobre uma situação ou pessoa, para mencionar apenas algumas. Em outras palavras, a falta de autoconhecimento gera uma das principais causas de problemas no mundo: o egoísmo, que em alguns livros de instrução espiritual é comparado a uma gigantesca erva daninha que impede o desabrochar e o florescimento de nossa natureza mais profunda e verdadeira - a alma espiritual que reside profundamente dentro de nossa consciência, cuja essência é genuína felicidade e sabedoria. 

O egoísmo está sempre impelindo a mente a buscar, a querer e alcançar algo sem necessariamente fazer com que a mente se certifique se os objetos buscados correspondem a necessidades reais ou imaginárias. Por exemplo, administrar os próprios recursos financeiros de maneira sábia é um das mais importantes necessidades na vida. Mas estar sempre procurando a melhor maneira de aumentar a própria riqueza é certamente uma necessidade imaginária. Há coisas mais importantes do que acumular riqueza, mas muitas pessoas passam a maior parte de suas vidas fazendo isso, porque é o que dita o autointeresse. 

Buda, um dos grandes instrutores espirituais do mundo, conseguiu ver isso com a máxima clareza e consequentemente compreendeu o fato de que a causa do sofrimento é tanhâ, sede, desejo, avidez, anelo. A palavra sede é importante porque denota uma busca contínua de experiências e sensações, nenhuma das quais é verdadeiramente satisfatória e completa, pois após cada contato e experiência a sede reaparece, às vezes até mesmo mais forte do que antes. O falecido Walpola Rahula, eminente estudioso budista do Sri Lanka, em seu livro What the Buddha Taught, fez uma afirmação bastante aguçada sobre isso: 'Essa sede tem como centro a falsa ideia do eu elevando-se para fora da ignorância.' A mente, sob a oscilação do interesse próprio, cria para si um falso senso de identidade - um falso eu - que perpetua tanto o sofrimento quanto a ignorância." 

(Pedro Oliveira - O ser nada quer - Revista Sophia, Ano 15, nº 65 - p. 15/16)
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quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

COMPAIXÃO PARA UMA VIDA MELHOR

"Nós fazemos o melhor possível para viver num mundo baseado em gentileza e compaixão. No entanto, às vezes, o que eu pessoalmente gostaria torna-se mais importante do que aquilo que é bom para a comunidade.

Na religião, na filosofia, na ciência ou na política, onde quer que haja uma sociedade humana, ela manifesta sabedoria e compaixão. Porém, devido à nossa tendência ao egoísmo, a valorizar nossos gostos e aversões, nós nos isolamos dos outros. Não permitimos que a abertura entre seres humanos se expresse por causa de duas coisas fundamentais: esperança e medo. Todos nós queremos a felicidade e ninguém deseja sofrer. Assim, cada ação é motivada pela esperança de ser feliz e de evitar a dor; desenvolvemos uma atitude muito egoísta. 

Todas as filosofias e religiões do mundo almejam pôr abaixo a muralha do autoisolamento, para que possamos trabalhar uns com os outros com verdadeiro cuidado e compaixão. Do ponto de vista budista, examinamos a nós mesmos cuidadosamente - não para nos culpar por criar divisão, mas como um modo de trabalhar a principal causa do problema. 

O problema não está no mundo, ou nos outros, mas em nós. A sabedoria é inata em nós, mas nosso envolvimento com o ambiente e a distração de nossas emoções causa um obscurecimento que impede a auto-observação. Não nos damos tempo e espaço suficientes para usar nossa sabedoria e nos observamos antes de agir. 

No entanto, por meio da meditação ou da autoanálise, a sabedoria pode surgir no nosso interior. Meditação é um processo de olhar para dentro, de refrear a tendência dualista de prestar mais atenção às questões externas do que às internas, com as quais não queremos lidar.

Uma sociedade baseada na paz, na harmonia, na sabedoria e na compaixão não vai surgir a não ser que cada pessoa comece consigo mesma. Com nosso fracasso em usar a sabedoria inata, damos desculpas para não começar com nós mesmos. A maior desculpa é que precisamos que a outra pessoa mude primeiro. Se as coisas não acontecem de maneira como eu quero, a culpa é do outro. 

As percepções do mundo externo têm muito a ver com nossa atitude interior. A mente cria desculpas que refletem o que sentimos. Quando vemos uma pessoa e ela faz algo de que gostamos, então ela é uma boa pessoa. Mas se a mesma pessoa faz algo de que não gostamos, ela é uma pessoa ruim. Portanto, a transformação do mundo externo deve começar com a transformação interior. Somente quando o eu é subjugado, e quando uma boa percepção surge, é que temos força para nos relacionar da maneira apropriada com os outros.

O coração é basicamente bom, generoso e compassivo, mas não necessariamente atua com sabedoria. Temos muitas pessoas prontas para agir em prol de um mundo melhor, mas que ainda veem a filosofia, a religião e a política segundo o que elas gostam e querem. 

A realização da sabedoria interior em cada ser humano deve começar com o treinamento do eu. A ignorância não é algo que vem dos outros; ela vem da projeção do eu. Na filosofia budista falamos muito a respeito de ilusão - como a mente cria fenômenos externos que passamos a ver como sólidos e permanentes. Na meditação nós avaliamos a natureza onírica dos fenômenos externos. O primeiro passo é entender como surge a ilusão - como a mente atua para criar e solidificar o mundo. Se pudermos abrir mão de apego à ilusão, estaremos livres da dor, das expectativas, das esperanças e dos medos."

(Khandro Rinpoche - Compaixão para uma vida melhor - Revista Sophia, Ano 15, nª 70 - p. 9)
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quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

A MORTE DO MEDO

"Do que sentimos medo? É mesmo medo o que sentem os animais quando ameaçados? Ou é uma reação pós-ansiedade, receio do desconhecido ou reação a algum trauma? Existem muitas formas de manifestar o medo; poderíamos citar uma dezenas delas. A ignorância gera medo, assim como as histórias que acabaram em infortúnio. Mas uma coisa é certa: em todos os casos de medo, enquanto eles existem, decerto nada ainda ocorreu. 

A morte é um dos grandes motivos por trás do medo, como também o nosso futuro instável. Há o medo do sofrimento, da dor física, do descaso - e o medo de ser esquecido, que é uma consequência da morte. Não queremos ser esquecidos, pois quem é esquecido morre para a existência. Algumas etnias indígenas, como a dos índios xavante, evitam falar sobre quem morreu, queimam todos os bens de quem se vai, raspam a cabeça em luto e prosseguem com a vida. O legado não fica no nome, mas na continuidade pelos herdeiros, a tradição, a alma, ou o verdadeiro eu, que se transforma em um antepassado, um espírito conselheiro que se manifesta pelas forças da natureza e pelos sonhos.

Na maioria das culturas existe algum tipo de pós-vida, uma morada espiritual, paraíso, totalidade, umbral, inferno, xeol, tártaro, trevas ou castigo. Existe algum tipo de julgamento da alma ou uma consequência dos atos em vida. Mesmo entre os ateus há a crença na dissolução completa da consciência, ou seja, alguma coisa se extingue. Chamemos ou não de alma, o ser corpóreo é veículo de uma inexplicável existência consciente. As religiões, em grande parte, realizam cultos para os mortos, os antepassados, cultos sobre a transição da consciência e reverências à memória, que é uma forma de identificar a personalidade de quem partiu.

O apego a quem amamos gera sofrimento, pela dor da partida ou pelo nosso próprio ego, que não quer sofrer com a ausência. Temos medo do que virá, e, por isso, permanecemos em um sofrer alimentado pela memória e pelo inconformismo, e nos esforçamos para continuar com a verdade inevitável. Não somos educados para morrer ou conhecer a finitude, nem para lidar com o nosso próprio fim. Por isso também os sábios, os santos e as religiões nos falam da importância da alma, ou de quem realmente somos. Não somos um corpo tendo uma vida espiritual; somos um espírito tendo uma vida material - essa máxima pode mudar todo o entendimento, as possibilidades e a perspectiva da vida. 

É imprescindível buscar o significado da vida em face da consciência, das possibilidade de compreender a morte não mais como o fim, mas como uma mudança de paradigma. Os estudos sobre a consciência argumentam que a morte é apenas uma mudança de realidade eletromagnética. Pessoas que tiveram experiências de morte clínica e retornaram relatam fatos semelhantes: encontro com consciências luminosas, personalidades divinas que os questionam sobre o significado de suas vidas. Como consequência, essas pessoas mudaram completamente sua vida, procurando dar um significado mais elevado a suas relações, transformando suas perspectivas e dando fim ao medo.

De certa forma, muitos de nós já vivem no esquecimento, perdendo-se na autocomiseração, ignorando o verdadeiro eu, que não é nosso ego ou a imagem com a qual nos identificamos. Poderia-se até dizer que existe uma forma de morte em vida. Tememos coisas que são transitórias: o que temos, o que poderíamos ter ou o que podemos vir a perder. Em todas as situações, o universo de possibilidade que criamos está em nossa mente, e é em nossa mente que tudo acontece (e talvez parte do que ocorre após a existência material). (...)

A morte do medo em face da vida acontece quando o altruísmo, a benevolência e a preocupação com o próximo se evidenciam como prática contínua de nosso despertar. É claro que outros tipos de medo, como aquele que nos protege quando estamos em perigo, ou o que nos previne contra acidentes, são mais uma forma de bom senso, um tipo de firewall em nosso programa humano. Um despertar da ignorância sobre a jornada da vida, por meio da aceitação pacífica e não passiva de nossas experiências, pode realmente ser uma experiência transcendental e luminosa. Não deixaríamos todos os medos de lado ainda que fôssemos iluminados, mas o produto de nossas ações já não seria a finitude do ser, e sim o despertar do eu. 

Como mostra o Budismo, a morte é uma consequência natural que faz parte das possibilidades de libertação da consciência, o fim dos ciclos de encarnação, que requer de nós, em vida, o despertar, o entendimento, a prática das virtudes que nos liberam do apego e do sofrimento. A bondade é o manto que encobre a mente com a insensatez dos que entram no fogo para salvar a vida de um simples animal e que saem sem sequer uma queimadura, pois não é a razão que está no comando, mas a alma, governando a vontade; 'e, quando isto que é corruptível se revestir da incorruptibilidade, e isto que é mortal se revestir da imortalidade, então cumprir-se-á a palavra que está escrita: tragada foi a morte na vitória. Onde está, ó morte, o teu aguilhão? Onde está, ó inferno, a tua vitória?' (1 Coríntios 15:54,55.)

O destemor requer de nós a vontade e a atitude de enxergar o lado de dentro antes do lado de fora, de atravessar o rio ou a rua, de falar sem receio de não ser aceito. Esse receio gera desconforto emocional, o que acontece entre os jovens dos dias de hoje, que se abrigam entre os que se sentem da mesma forma, com movimentos que neutralizam a alma com rótulos, ao invés de libertá-la. Em grande parte das vezes, vencer o medo não tem muito a ver com o entusiasmo ou coragem, mas com vencer a si mesmo. 

'E disse ao homem: eis que o temor do Senhor é a sabedoria, e apartar-se do mal é a inteligência.' (Jó 28:28.) É preciso entendimento e sabedoria; nem todo medo ou temor representa pânico, mas uma forma de respeito ou reverência, como neste trecho de poema: 'Eu respeito aquilo que temo; a grande montanha, o mar e a morte, a vida, o silêncio de Deus e minha verdadeira face longe do espelho e do jogo da sorte.'"

(Maurício de Andrade - A morte do medo - Revista Sophia, Ano 14, nº 63 - p. 8/11)


quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

A FUNÇÃO DO RELACIONAMENTO

"O relacionamento é inevitavelmente doloroso, o que é mostrado na nossa existência cotidiana. Se no relacionamento não houver tensão, ele deixa de ser um relacionamento e se torna apenas um confortável estado de latência, um entorpecente - o que a maioria das pessoas quer e prefere. O conflito se dá entre esse desejo de conforto e o factual, entre a ilusão e a realidade. Se você reconhece a ilusão, então pode, colocando-a de lado, dar sua atenção ao entendimento do relacionamento. Mas se busca segurança no relacionamento, ele se torna um investimento no conforto, na ilusão - e a grandeza do relacionamento é sua própria insegurança. Se sua busca for por segurança no relacionamento, você está impedindo sua função, que é provocar suas próprias ações e infortúnios peculiares. 

Certamente, a função do relacionamento é revelar o estado de bem-estar da pessoa. O relacionamento é um processo de autorrevelação, de autoconhecimento. Essa autorrevelação é dolorosa e exige constante ajustamento, flexibilidade do pensamento e da emoção. É uma luta dolorosa, com períodos de paz iluminada. 

Mas a maioria de nós evita ou põe de lado a tensão no relacionamento, preferindo a calma e o conforto da dependência satisfatória, uma segurança não desafiada, um porto seguro. Então, a família e outros relacionamentos tornam-se um refúgio, o refúgio do imprudente.

Quando a insegurança desliza para a dependência, como inevitavelmente acontece, então esse relacionamento particular é posto de lado e um novo é assumido na esperança de encontrar uma segurança duradoura, Mas não há segurança no relacionamento, e a dependência só gera medo. Sem entender o processo da segurança e do medo, o relacionamento se transforma em um estorvo compulsório, e uma forma de ignorância. Então, toda a existência passa a ser luta e sofrimento, e não há saída para isso exceto no pensamento correto, que surge por meio do autoconhecimento."

(Krishnamurti - O Livro da Vida - Ed. Planeta do Brasil Ltda., São Paulo, 2016 - p. 93/94)


terça-feira, 2 de novembro de 2021

A MORTE NO MUNDO MODERNO (2ª PARTE)

"O medo da morte e a ignorância sobre a vida após a morte estão alimentando essa destruição do meio ambiente que está ameaçando tudo em nossas vidas. O mais perturbador nisso tudo não é o fato de que as pessoas não recebam instrução sobre o que é a morte, ou como morrer? Ou que não tenham esperança alguma no que vem após a morte, no que está por trás da vida? Pode alguma coisa ser mais irônica do que a existência de jovens altamente educados em todos os campos do conhecimento, exceto naquele que detém a chave do sentido global da vida, e talvez até da nossa sobrevivência?

Sempre me intrigou que alguns mestres budistas que eu conhecia fizessem uma simples pergunta às pessoas que se aproximavam deles buscando ensinamento: 'Você acredita numa vida depois desta?' Não se trata de saber se a pessoa acredita nisso como uma proposição filosófica, mas se sente isso no fundo do seu coração. O mestre sabe que, se alguém acredita numa vida futura, sua visão de mundo será diferente e terá um outro sentido de responsabilidade e moralidade pessoal. O que os mestres suspeitam é que aqueles que não têm uma crença firme numa vida após a morte, vão criar uma sociedade fixada em resultados a curto prazo, sem qualquer preocupação com as consequências dos seus atos. Seria essa a principal razão pela qual criamos um mundo brutal como este em que vivemos, um mundo em que a verdadeira compaixão está quase ausente?

Às vezes penso que os países mais poderosos e influentes do mundo desenvolvido são como o reino dos deuses descrito nos ensinamentos budistas. Diz-se que esses deuses vivem suas vidas em meio a um luxo fabuloso, mergulhados em todos os prazeres imagináveis, sem um único pensamento sobre a dimensão espiritual da vida. Todos parecem muitos felizes até que a morte se aproxima, e aí alguns sinais inesperados de desintegração aparecem. Então, as esposas e amantes desses deuses não mais se atrevem a se aproximar deles, atirando-lhes flores à distância, com preces ocasionais para que eles renasçam novamente como deuses. Nenhuma de suas lembranças de felicidade ou conforto pode agora protegê-los do sofrimento que eles enfrentam; isso só faz com que fiquem mais desesperados, de tal modo que esses deuses são deixados para morrerem sozinhos e miseravelmente.  

O destino dos deuses me faz pensar na maneira com os velhos, os doentes e os que estão morrendo são tratados hoje. Nossa sociedade é obcecada por juventude, sexo e poder, e nós nos esquivamos da velhice e da decadência. Não é terrível que desprezemos as pessoas idosas quando sua vida de trabalho se encerrou e elas já não mais pareçam úteis? Não é perturbador que nós as joguemos em asilos, onde morrem solitárias e abandonadas? 

Não é tempo também de olharmos de um modo diferente a maneira como tratamos os que sofrem de doenças terminais como o câncer e a AIDS? Conheci um bom número de pessoas que morreram de AIDS, e sei como elas foram muitas vezes tratadas como párias, até por seus amigos, e como o estigma da doença levou-as ao desespero e fez com que achassem a vida horrível, sentindo que aos olhos do mundo já estavam acabadas." ... continua. 

(Sogyal Rinpoche - O Livro Tibetano do Viver e do Morrer - Ed. Talento/Ed. Palas Athena, 1999 - p. 26/27


quinta-feira, 21 de outubro de 2021

A INVESTIGAÇÃO POR PRAZER - VI

"A indolência é, de fato, a maldição do homem. Assim como o lavrador irlandês e o cigano cosmopolita vivem na pobreza e na miséria por causa de sua completa ociosidade, do mesmo modo o homem do mundo vive contente pela mesma razão, no meio dos prazeres sensuais. Beber vinhos delicados, comer manjares esquisitos, o amor de cores e de sons brilhantes, de formosas mulheres e de magníficos objetos em seu redor, tudo isto, para o homem cultivado, nem tem mais importância nem é mais satisfatório como motivo final de gozo, do que são as grosserias, diversões e prazeres do moço da lavoura, para o homem não cultivado.

Não pode existir o ponto final, porque a vida em cada uma de suas formas é só uma vasta série de delicadas graduações e o homem que decide permanecer imóvel no ponto de cultura que alcançou e confessa que não pode ir mais longe, faz simplesmente uma arbitrária afirmação para desculpar sua indolência. 

Existe, sem dúvida, a possibilidade de declarar que o cigano vive contente no meio da sua pobreza e a sujidade e que, portanto, é tão grande homem como o mais perfeitamente cultivado. Para ele unicamente é assim enquanto permanece na ignorância; no momento em que a luz penetra na obscura inteligência, o homem se volta a ela inteiramente. Assim acontece na mais elevada plataforma, porém a dificuldade de penetrar na mente, de admitir a luz, é muito maior. O lavrador irlandês ama sua aguardente e, enquanto possa tê-la, para nada se preocupar das grandes leis de moralidade e de religião, que se supõe governam e humanidade e induzem os homens a viver com temperança. O gastrônomo culto se ocupa unicamente de sabores sutis e de esquisitos perfumes; porém, estão tão cego com o simples rústico a respeito do fato de que existe algo mais além de semelhantes gratificações. A maneira do lavrador, permanece enganado por um espelhismo que oprime sua alma e imagina que, uma vez obtido um prazer sensual no qual se deleita, pode obter a satisfação suprema, graças a uma interminável repetição, com o que, por fim é presa por demência. O bouquet de vinho que o deleita, penetra em sua alma e a envenena, não lhe deixa outros pensamentos além dos sensuais e se encontra na mesma situação desesperada do homem que morre louco devido a embriaguez. Que benefício obteve o bebedor, da sua demência? Nenhum; a dor devorou, por fim, completamente o prazer e a morte avança para terminar a agonia. O homem sofre o castigo final por sua persistente ignorância de uma lei da natureza, tão inexorável como aquela da gravitação; uma lei que proíbe ao homem permanecer imóvel. Nem sequer duas vezes a mesma taça de prazer se pode saborear; a segunda vez deve conter ou um grão de veneno ou uma gota do elixir da vida. 

O mesmo argumento conserva sua força quanto aos prazeres intelectuais; a mesma lei opera. Vemos homens que, quanto à inteligência, são a flor da sua época, que vão muito mais longe que seus irmãos, que a maneira de torres sobressaem entre eles, são arrastados enfim pela roda fatal, girar sobre a mesma, à maneira de manivelas, cedendo à indolência inata da alma e começando a se engar a si mesmos com a quimera da repetição. Então vem a debilidade e a falta de vida, aquele estado infeliz e enganoso no qual, com demasiada frequência, grandes homens entram, justamente quando a metade da sua vida transcorreu. O fogo da juventude, o vigor da inteligência jovem, vence a inércia interna e faz que o homem escale alturas de pensamentos e encha seus pulmões mentais com o ar livre das montanhas. Mas então, afinal, a reação física dele se apodera; o mecanismo físico do cérebro perde seus ímpetos poderosos e começam seus esforços a se debilitarem, simplesmente porque a juventude do corpo tem um fim. Então é o homem assaltado pelo grande tentador da raça, que sempre em vigia permanece junto à escada da vida, pronto a lançar-se sobre aqueles que a tais alturas chegam. Verte a envenenada gota em seu ouvido e desde aquele momento a consciência toda se converte em estupidez e fica o homem aterrorizado, receando que para ele a vida vai perdendo suas possibilidades. Lança-se então atrás, a um campo de experiência familiar e ali encontra alívio tocando a bem conhecida corda da paixão ou emoção. E muitos, por desgraça, tendo feito isto, dilatam assustados ao lançar-se ao desconhecido e se contentam com fazer soar continuamente aquela corda que com mais facilidade responde. Graças a isto, conservam a certeza de que a vida ainda arde no seu interior. Mas, por fim, seu destino é o mesmo do gastrônomo e do bebedor. O poder do feitiço vai sendo menor de dia para dia, à medida que o mecanismo sensitivo vai perdendo sua vitalidade, e pretende o homem ressuscitar o fervor e excitação antigos, fazendo com mais violência soar a nota, abraçando-se mais estreitamente àquilo que lhe faz sentir, esgotando até o fel a taça envenenada. Então está perdido: a loucura se apodera da sua alma, do mesmo modo que faz presa do corpo do borracho. A vida não tem já, para ele, significação alguma e ferozmente se lança nos abismo da demência intelectual. O menos importante dos homens que cometa esta grande loucura, arrasta os espíritos dos demais por uma triste adesão a um familiar pensamento, por um abraço persistente à roda do moinho que afirma ele ser o objetivo final. A nuvem que o rodeia é tão fatal como a própria morte e os homens que uma vez se prostraram a seus pés, se afastam dele pesarosos e têm que olhar atrás, ter presentes suas primitivas palavras se querem recordar sua grandeza." 

(Mabel Collins - Pelas Portas de Ouro - Ed. Pensamento, São Paulo - p. 25/27)   


terça-feira, 12 de outubro de 2021

A INVESTIGAÇÃO POR PRAZER - III

"Esta pergunta, filha da tristeza e do aborrecimento, que nos parecem constituir uma parte essencial do espírito do século em que vivemos é de fato, uma questão que deve ter sido tratada em todas as épocas. Se com a inteligência nos dirigimos para trás, através da história, sem dúvida encontraremos que tem sido feita sempre quando a flor da civilização se tinha aberto completamente e quando suas pétalas com dificuldade se mantinham unidas. A porção natural do homem tem alcançado então sua maior altura; tem levado rodando a pedra até o cimo do monte da dificuldade, só para contemplá-la a rodar novamente para baixo, logo que tem alcançado o cume, como no Egito, em Roma, na Grécia. Porque este trabalho inútil? Não é suficiente para produzir um desalento e um mal-estar impossíveis de descrever, estar levando a cabo um trabalho, só para vê-lo destruído? Depois de tudo, isto é o que o homem tem feito através de toda a história, o mais longe que nossos limitados conhecimentos podem alcançar? Um cimo existe ao qual chega por meio de imensos e coletivos esforços, e no qual resplandece a mais brilhante florescência de todas as qualidades intelectuais, mentais e materiais de sua natureza. O cúmulo da perfeição sensual é alcançado. E então sua energia se debilita, seu poder diminui e desce através do desalento e da saciedade até a grosseria. Porque não permanece no cume da montanha à qual chegou e olhando os longínquos montes não resolve escalar suas maiores alturas? Porque é ignorante e vendo um grande resplendor à distância, baixa os olhos deslumbrados, e volta atrás para continuar na sombria encosta da sua montanha familiar. Todavia, existiu e existe alguém suficientemente decidido para olhar, sem baixar os olhos e para decifrar alguma coisa de que nele mesmo oculta. Poetas e filósofos, pensadores e mestres, todos aqueles que são os 'irmãos maiores da raça'; têm gozado desta vista de tempos a tempos e alguns deles têm reconhecido, no resplendor confuso, o contorno das Portas de Ouro.

Estas portas nos admitem ao santuário da mesma natureza do homem, ao lugar de onde sua vida-poder procede e onde ele é sacerdote do santuário da vida. Que é possível entrar, que é possível passar através destas portas um ou dois, nos têm demonstrado. Platão, Shakespeare e uns poucos mais de fortes, têm passado por elas e em enigmática linguagem nos têm falado das proximidades das mesmas. Quando o homem forte cruzou o limiar, já não se diz nada mais aos que do outro lado permanecem. E até as palavras que pronuncia, quando ainda por elas não passou, estão cheias de mistério, que unicamente os que seguem seus passos podem ver brilhar a luz nas mesmas."   

(Mabel Collins - Pelas Portas de Ouro - Ed. Pensamento, São Paulo - p. 18/19)


terça-feira, 3 de agosto de 2021

NÃO JULGUEIS - E NÃO SEREIS 'JULGADOS!' - NÃO CONDENEIS - E NÃO SEREIS CONDENADOS!

"Com estas duas frases lapidares enuncia o divino Mestre a lei universal e infalível de causa e efeito, ou, como diz a filosofia oriental, a lei do 'karma'. Se os homens compreendessem praticamente essa lei, não haveria malfeitores sobre a face da terra, porque o homem compreenderia que fazer mal a seus semelhantes é fazer mal a si mesmo, e, como ninguém quer ser objeto de um mal, ninguém seria autor do mal; cada um compreenderia que ser mau é fazer mal a si mesmo.

O universo é um 'kosmos', isto é, um sistema de ordem e harmonia, regido por uma lei que não admite exceção, ou no dizer de Einstein, o universo é a própria Lei Universal. Dentro desse sistema cósmico, a toda ação corresponde uma reação equivalente. Pode essa reação tardar, mas ela vem com absoluta infalibilidade.

Objetivamente, ninguém pode perturbar o equilíbrio do universo, embora, subjetivamente, os seres conscientes e livres possam provocar perturbação. A ação do perturbador provoca infalivelmente a reação do perturbado, e esses dois fatores, ação e reação, atuando como causa e efeito, mantêm o equilíbrio do Todo. A ação do perturbador chama-se culpa ou pecado, a reação do perturbado chama-se pena ou sofrimento. Ser autor de uma culpa é ser mau, ser objeto de uma pena é sofrer um mal. Por isso, é matematicamente impossível que alguém seja mau sem fazer mal a si mesmo. Se tal coisa fosse possível, o malfeitor teria prevalecido contra o universo e ab-rogado a Constituição Cósmica; teria, por assim dizer, derrubado o Himalaia com a cabeça.  

Compreender praticamente essa lei inexorável é ser sábio, e ser sábio é deixar de ser mau ou pecador. Se todos os homens fossem sábios ou sapientes, não haveria mau sobre a face da terra. Mas os homens são maus porque são insipientes, ignorantes. 'Disse o insipiente no seu coração: Não há Deus!' Todas as vezes que os livros sacros se referem ao pecador, usam o termo 'insipiente', isto é, 'não sapiente', ou ignorante.

O grande ignorante é o pecador. O grande sábio é o santo.

Quem conhece experiencialmente a ordem cósmica não comete a loucura de querer destruí-la com seus atos maus, porque sabe que isto é tão impossível como querer derrubar o Himalaia com a cabeça ou apagar o sol com um sopro.

O verdadeiro homem santo é um sapiente. E sua sapiente santidade consiste em manter perfeita harmonia com a lei do universo. A própria palavra 'santo' quer dizer 'universal' ou 'total'. O homem santo é o homem univérsico, integral, cósmico, aquele que não procura uma vantagem parcial contrária à ordem total."

(Rohden - O Sermão da Montanha - Ed. Martin Claret Ltda., São Paulo, 1997 - p. 151/153)


terça-feira, 8 de junho de 2021

SIMPLESMENTE PASSAR PELOS SOFRIMENTOS DOS REINOS INFERIORES NÃO CONDUZIRÁ À SALVAÇÃO

"[22] Quando as sementes do nosso carma não virtuoso amadurecem, somos arremessados a um dos três reinos inferiores de renascimento. Permaneceremos ali até que o fruto daquele carma tenha sido exaurido. Quando essa carma se esgotar, ficaremos livres do sofrimento? A resposta é não. Ainda que tenhamos exaurido o fruto de certas sementes de não virtude, nos reinos inferiores cometemos muitas outras não virtudes por causa da nossa ignorância. Um ser que nasça num dos reinos inferiores é incapaz de praticar virtude; sua vida é gasta acumulando ações não virtuosas. Todas essas ações plantam sementes em sua consciência e estas vão amadurecer como uma experiência de sofrimento futuro.  

Enquanto estivermos no samsara e levarmos uma vida condicionada pela ignorância, não poderemos  dizer que pusemos fim ao nosso sofrimento. Os seres afortunados que conquistaram a libertação do sofrimento não o fizeram deixando que seu carma negativo se esgotasse por si só ou ficando à espera de que suas desgraças cessassem; eles seguiram um caminho de meditação e extirparam a causa específica do sofrimento. Quando cumprem suas sentenças os detentos são libertados da prisão; mas, no samsara, ninguém é sentenciado por um período determinado, depois do qual será automaticamente libertado. A única maneira de escapar do samsara é reconhecer que a ignorância é a raiz do nosso sofrimento e, então, meditar sobre o caminho de sabedoria que extirpa essa raiz.

Não existe felicidade verdadeira no samsara. Podemos pensar que reis e presidentes são, de algum modo, mais felizes que o restante de nós, mas eles também experienciam muitos sofrimentos em suas vidas. Do mendigo mais miserável ao líder mundial mais poderoso, todos sofrem, seja mentalmente, por não conseguirem obter aquilo que desejam e por encontrarem aquilo que não desejam; seja fisicamente, por terem de enfrentar as dores do nascimento, doença, envelhecimento e morte. Os gritos de um recém-nascido e as lamentações de um moribundo no seu leito de morte não deixam dúvida sobre a presença constante da dor e da insatisfação. Convenhamos que o choro de um bebê ao nascer não é de felicidade!

Se quisermos exaurir nosso sofrimento, precisamos estudar qual é a causa do samsara e qual é o remédio para eliminá-lo. É só no Darma que esses assuntos são plenamente analisados. O que significa Darma? Significa 'proteger'. O que é protegido depende do escopo da nossa prática. No escopo inicial, a prática de Darma protege-nos de cair nos três reinos inferiores. No escopo intermediário,m protege-nos de renascer em qualquer reino do samsara. Por fim, no escopo mais elevado - o de um praticante mahayana - somos protegidos de todas as falhas e desvantagens do auto-apreço e levados à plena iluminação. Todas as práticas de Darma, sem exceção, estão incluídas nesses três escopos. Portanto, para pôr um fim ao nosso sofrimento, temos de praticar o Darma conscientemente."

(Geshe Kelsang Gyatso - Contemplações Significativas - Ed. Tharpa Brasil, 2009 - p. 156/157)


terça-feira, 25 de maio de 2021

A BUSCA DA VERDADE - excertos 3 e 4

"3.  O mundo não tem substância própria. É apenas a vasta concordância das causas e condições que tiveram sua origem, única e exclusivamente, nas atividades da mente, estimulada pela ignorância, falsas imaginações, desejos e estultícia. Não é algo externo sobre o qual a mente tenha falsos conceitos: não tem nenhuma substância. Apareceu com os processos da própria mente, manifestando suas próprias delusões. É baseado e construído pelos desejos da mente, sem seus sofrimentos e lutas incidentais à dor causada por suas próprias cobiça, ira e estultícia. Os homens que buscam o caminho da Iluminação devem estar prontos para combater esta mente, para poderem atingir seu objetivo.

4.  Ó mente! Por que pairas incansavelmente assim sobre as cambiantes circunstâncias da vida? Por que me deixas tão confuso e inquieto? Por que me incitas a coligir tantas coisas? És como o arado que se quebra em pedaços antes de começar a arar; és como o leme que se desmantela, no momento em que te aventuravas neste mar da vida e da morte. Para que servem os muitos renascimentos se não fazemos bom uso desta vida?

Ó mente minha! Uma vez me levaste a nascer como rei, e outra, me levaste a nascer como um pária e a mendigar meu alimento. Às vezes me faz nascer em divinas mansões dos deuses e a morar na luxúria e êxtase, depois me atiras nas chamas do inferno. 

Ó minha tola, tola mente! Assim me conduziste por longos e diversos caminhos e sempre te fui obediente e dócil. Mas agora que ouvi os ensinamentos de Buda, não mais me perturbarás ou me causarás sofrimentos. Busquemos juntos a Iluminação, humilde e pacientemente.

Ó mente minha! Se pudesses aprender que tudo é não substancial e transitório; se pudesses aprender a não te apegares às coisas, por elas não ansiares, a não dares vazão à cobiça, ira e tolice, então, poderemos caminhar em paz. Se rompermos os grilhões dos desejos com a espada da sabedoria, se não nos abalarmos com as mutáveis circunstâncias da vida, com a vantagem ou desvantagem, com o bem ou mal, com a perda ou lucro, com o louvor ou o abuso, então, poderemos viver em paz.

Ó mente querida! Foste tu que primeiro despertaste em nós a fé; foste tu que sugeriste a nossa procura da Iluminação. Por que, facilmente, dás lugar à cobiça, ao amor pelo conforto e ao prazer novamente?

Ó minha mente! Por que saltitas para cá e para lá, sem um definido propósito? Cruzemos este bravio mar da delusão. Até aqui agi como desejaste, mas agora deves agir como eu quiser e, juntos, seguiremos o ensinamento de Buda.

Ó mente querida! Estas montanhas, estes rios e mares são inconstantes e fontes do sofrimento. Onde, neste mundo de delusão, poderemos encontrar paz? Sigamos o ensinamento de Buda e atinjamos a outra praia da Iluminação."

(A Doutrina de Buda, Bukkyo Dendo Kyobai, Terceira edição revista, 1982, p. 305/309)


terça-feira, 26 de janeiro de 2021

PRATIQUES O DARMA AGORA (1ª PARTE)

"Buda disse que, enquanto os seres sencientes estiverem sob a influência da ignorância, terão de experienciar as quatro características do samsara: 1) o nascimento conduz inevitavelmente à morte; 2) aquilo que é reunido, por fim, deve se dispersar; 3) aqueles que ocupam posições elevadas, por fim, caem em estados inferiores; 4) todos os encontros, por fim, resultam em separação. Devemos examinar essas quatro características com muito cuidado. Quem quer que possua um status elevado, uma boa reputação ou riqueza verá isso, por fim, diminuir, decair e, em última instância desaparecer. Existe algum real prazer a ser extraído dessas aquisições e alguma delas pode nos ajudar na hora da morte? Quem pode nos ajudar nessa hora - nosso cônjuge, amigos, familiares, nossas posses ou o governo do nosso país? Pensar que viveremos neste mundo para sempre é enganar-se grosseiramente. Este mundo não possui moradores permanentes. Dos bilhões de indivíduos que hoje estão vivos, quem ainda estará aqui em cem anos? Somos simplesmente viajantes passando por este mundo e, como viajantes, devemos pensar em nos abastecer corretamente para a nossa jornada. O que precisamos levar conosco? Nenhum dos prazeres temporários antes mencionados terá qualquer valor na hora da morte; somente a prática do Darma - o treino, o controle e a purificação da nossa mente - pode nos proteger do sofrimento.

Algumas pessoas rezam para que sejam capazes de praticar o Darma na sua próxima vida, pois acham que não têm a oportunidade de praticar agora. Isso é tolice. Tivemos um renascimento humano perfeito, encontramos os ensinamentos mahayana e temos a rara oportunidade de praticar o Darma. Se não aproveitarmos essa oportunidade agora, quando reencontraremos outro renascimento humano perfeito no futuro? É raro que um Buda apareça neste mundo, raro ter um precioso renascimento humano plenamente dotado e raro gerar fé num ser iluminado. Portanto, visto que já obtivemos todas essas circunstâncias preciosas, devemos praticar o Darma agora.

Não devemos desperdiçar este precioso renascimento humano, conquistado a custa de muito esforço, em nome do conforto da vida atual. Em vez disso, precisamos usar essa rara oportunidade para gerar a preciosa mente do bodichita. Atualmente temos visão clara, audição acurada, mente lúcida e boa saúde. Se não praticarmos o Darma agora, quando tivermos oitenta ou noventa anos, se é que viveremos até lá, será tarde demais para fazê-lo. Ainda que tenhamos a intenção de praticar o Darma, nossos sentidos estarão em declínio, a nossa mente instável e o nosso corpo doente. Como diz um provérbio tibetano: 'Se não praticares o Darma enquanto és jovem, quando a velhice chegar, te arrependerás'.(...)" 

(Geshe Kelsang Gyatso - Contemplações Significativas - Ed. Tharpa Brasil, 2009 - p. 151/152)


terça-feira, 19 de janeiro de 2021

A VERDADEIRA RELIGIÃO

"O sofrimento existe desde tempos imemoriais, sob a forma de pobreza, ignorância, solidão, falta de amor, etc. Haverá um estado de sabedoria na qual a humanidade possa ser feliz? Em todas as eras, pessoas profundamente religiosas inquiriram a respeito disso.

As instituições e os sistemas religiosos enfatizam rituais, formas de adoração e obediência ao clero, muitas vezes ignorando os verdadeiros valores da religião. No entanto, todo instrutor religioso genuíno foi um reformador, libertando as mentes ignorantes das práticas convencionais rígidas e inspirando-as a inquirir a respeito do mistério da vida, seu propósito e significado. 

A religião, no seu verdadeiro sentido, deve libertar as pessoas da superstição e do sofrimento, e não escravizá-las com ideias prontas e hierarquias. Ao retirar das religiões os dogmas e as supertições e atingir o âmago de seus ensinamentos, constata-se que a essência é o amor universal, baseado no conhecimento de que a vida é indivisível.

As religiões não devem ser aceitas como são apenas porque essa é a atitude mais fácil; elas devem ser examinadas criticamente para avaliarmos se criam inimizades e conflitos ou se unem as pessoas com abordagens de tolerância e boa vontade. Ajoelhar-se ou permanecer de pé para orar, cobrir ou não a cabeça são questões individuais que nada têm a ver com a verdadeira religiosidade.

O ser humano se caracteriza pelo desejo de compreender a vida. Se apenas comesse, dormisse e se multiplicasse, mal poderia ser chamado de humano, já que todas as criaturas fazem isso. A mente se estagnaria se ninguém tivesso o ímpeto de penetrar nas profundezas do significado da existência do homem e do universo. Felizmente sempre existiram corações desbravadores que buscaram a verdade, mesmo quando perseguidos e queimados na fogueira. 

Atualmente os mais graves problemas do planeta são os conflitos armados e a destruição do meio ambiente. Simultaneamente ao progresso da ciência, desenvolveu-se uma atitude de conquista, controle e exploração da natureza. A humanidade chegou ao ponto de 'brincar de Deus' para usar a frase de Jeremy Rifkin. Mas a ciência também está compreendendo que quanto mais o universo é explorado, maior se torna a dimensão desconhecida, não apenas no nível material, mas também nos campos sutis do espirito. Por trás de tudo que está manifestado e perceptível existe o intangível e o inexplicável. Grandes espíritos que experienciaram o mistério do desconhecido, como Einstein, puderam compreender a reverência que exala da mente religiosa.

Segundo os taoístas, o Tao (o Supremo) não pode ser ouvido; o que pode ser ouvido não é o Tao. O Tao não pode ser visto; o que pode ser visto não é o Tao. Os Upanishads e outras escrituras dizem o mesmo: existe uma dimensão de existência que está além do nosso alcance. Nunca vamos conhecê-la plenamente; podemos apenas fitá-la e admirar o ilimitado e vasto poder criativo da vida. 

Obviamente a mente finita não pode conhecer o infinito. Isso está indicado no Bhagavad-Gita, quando Krishna diz que não existe fim para o mistério Divino. Somente quando a mente se liberta de seu estado finito e torna-se una com a vasta harmonia da vida pode haver iluminação. Esse estado não vem quando se é um erudito nas escrituras ou se recebe um título numa instituição religiosa. Se as pessoas que seguem sistemas religiosos se tornassem verdadeiramente religiosas, incapazes de ganância, violência e egoísmo, não haveria mais guerras.

Outro grande problema atual é o consumismo e a insensibilidade em relação ao valor e à dignidade dos seres vivos. É necessário um profundo respeito por cada forma de vida para reverter a maré de consumismo que destrói os recursos e a diversidade do planeta.

É essencial que nossos valores mudem, mas não em razão do que uma sociedade ou um sistema religoso diz. Os valores surgem a partir do sentimento de uma existência una e inter-relacionada, que faz nascer a gentileza e a não violência. Se nós não conseguimos amar o pequeno animal, o pássaro, o peixe ou a planta, como podemos amar a Deus, que é a fonte de toda a vida?

Temos que aprender a ser como criancinhas que experimentam maravilhas, cujas mentes não têm preconceitos e que não sabem o que é ser possessivo. Esse é o verdadeiro despertar religioso, que envolve abrir mão dos próprios interesses por amor aos outros, sem preconceitos, de modo que a mente seja ampla, tolerante e sensível."

(Radha Burnier - A verdadeira religião - Revista Sophia, Ano 12, nº 50 - p.20/21)